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Editorial da APEMNewsletter - Abril - 2021
“Music is what people (already) do”: a propósito da conferência da EAS
A magnífica conferência da EAS1 que teve lugar online no passado mês de março, trouxe, entre muitíssimas e interessantes apresentações, conferências, workshops, posters, música ao vivo e convívio, o Prof. Dr. Evert Bisschop-Boele2 como keynote do 1º dia de conferência.
De assinalar, antes de mais, a forma muito criativa como fez a sua apresentação: um vídeo como uma entrevista a si próprio, criando a personagem de entrevistador e entrevistado, tornando a comunicação muito clara, divertida e motivante. Aliás, já a sua tese de doutoramento3 está organizada através de uma narrativa centrada no seu próprio contexto social de vida, um estudo etnográfico que ele refere como ethnomusicology-at-home: entrevistas em forma de narrativa biográfica a 30 pessoas da província onde vive na Alemanha, sobre as funções da música nos seus dia-a-dia.
Partindo do tema desta conferência, mas acrescentando “already” no título, Evert Bisschop-Boele explicita o seu conceito de música como atividade social e individual e como essa ideia pode ter implicações na educação. Considera que a música não é uma coisa, mas sim uma atividade com uma imensa abrangência e que cada pessoa a pode definir à sua maneira. Argumenta ainda que 95% da música que existe é reconhecida como tal, ou seja, como música, mas só podemos definir bem música na educação se a definirmos também bem, fora da educação. Trouxe-nos, como não podia deixar de ser, os conceitos de musicking de David Elliot (2015|1995) e de Christopher Small (1998) como base do seu pensamento. O conceito de Musicking (Music-ing = music maker = musicking) ou Musicar, numa tradução livre e redutora, é entendido como todas as formas de fazer e escutar música numa ligação interdependente dos contextos sociais, artísticos, éticos e educacionais onde ela existe.
Bisschop-Boele (2013) define música como “qualquer forma de comportamento em que a música desempenhe um papel”. E nesta perspetiva tão ampla ainda acrescenta uma nuance sobre o valor da música incorporado numa questão que, em vez de ser colocada no porquê da música, antes deveria ser colocada como o quê da música. Melhor especificando, o que nos traz todas essas músicas, como é que elas se ligam ao nosso dia a dia, à nossa vida. “Se colocarmos a tónica no porquê, somos conduzidos a pensar que tudo deve ter uma razão e que é preciso encontrá-la. Estamos a instrumentalizar a música. Mas isso não tem obrigatoriamente que acontecer. Podemos cantar ou tocar um instrumento sem uma razão específica. Muitas vezes fazemos música porque é possível e porque costumamos fazê-la no nosso ambiente e porque não?” Segundo Bisschop-Boele, se colocarmos a questão sobre “o que nos traz a música”, podemos encontrar três grandes categorias sobre o que a música faz pelas pessoas:
- a construção de uma identidade musical (as pessoas podem revelar-se através da música, mostrar quem são – categoria confirmação);
- a ligação ao mundo (conexão com outras pessoas, partilha de músicas, relação com a beleza, por exemplo, a música relaciona-se com um lugar ou um momento feliz, pode relacionar-se ao presente ao passado ou a um futuro – categoria conexão);
- a normalização de vários aspetos (por exemplo, as pessoas percebem que ouvindo determinada música as acalma ou noutra situação que percebem que determinada música serve o movimento corporal, por exemplo, no ginásio - categoria regulação).
Resumindo, as pessoas através da música e com a música/musicking confirmam a sua identidade, ligam-se ao mundo e aos outros e autorregulam-se. Tudo isto em formas muito específicas, construindo aquilo a que Bisschop-Boele chamou a construção da idiocultura – idiossincrasias – as peculiaridades de todas as pessoas. As pessoas não são seres isoladas, são seres sociais e daí a ideia de cultura. Por isso, o autor utiliza o termo idiocultura, resultante do indivíduo socializado.
O que é que desta visão e perspetiva da música recai na educação musical? Para este autor, o papel básico da música na educação está na contribuição para a formação pessoal musical das crianças e jovens num currículo de competências. Para tal, a primeira assunção é a capacidade de ver os alunos como idioculturas. E por isso, Bisschop-Boele refere que já não faz sentido a conceção do currículo como aquilo que os alunos precisam de aprender, mas sim um currículo que se constrói na interação de idioculturas. As crianças desenvolvem competências musicais no seu contexto e a escola faz parte desse contexto. O papel da escola é contribuir para o enriquecimento do contexto de cada criança, tendo em conta as diversas idioculturas. Neste quadro, para o autor, o papel do professor é o de fazedor de situações de aprendizagens ricas, fortemente ligadas ao que se faz de música na sociedade. Refere a música como o que as pessoas fazem e não o que achamos que as pessoas devem fazer. Se reconhecermos as crianças como pessoas musicais, o que podemos oferecer enquanto professores são situações que sejam e/ou se tornem significativas para os alunos – princípio com que nos identificamos e consideramos ter uma ampla repercussão na construção da sua identidade musical.
Manuela Encarnação
1 https://eas-music.org/2021-freiburg/
2 https://eas-music.org/2021-freiburg/keynote-speakers/
3 https://research.hanze.nl/ws/portalfiles/portal/15926318/Eburon_Musicking_in_Groningen.pdf
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