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Editorial da APEMNewsletter - Outubro - 2020

APEMNewsletter Outubro de 2020

Projetos criativos e críticos na aula de música: 50 anos de Som e Silêncio

Este impactante título que quisemos dar ao editorial deste mês é a tradução (livre) do título do livro organizado por John Finney, Chris Philpot e Gary Spruce, acabado de ser publicado pela Routledge e que aqui não quisemos deixar de recensear, pela sua relevância para a música na educação. Estes três autores, nomes incontornáveis do pensamento e conhecimento musical enquanto objeto de ensino e aprendizagem, juntaram-se para uma celebração e simultaneamente uma reflexão sobre o desenvolvimento do trabalho inovador em criatividade nas salas de aula de música de John Paynter e Peter Aston, publicado há 50 anos, com o célebre título Sound and Silence.

Na introdução deste livro e para explicar o papel da música numa educação liberal, Paynter e Aston (1970) escrevem “A educação não começa com caixas especializados cheias de factos para serem memorizados. A educação deve ser centrada na criança e começar a partir das necessidades individuais. Como professores devemos tentar olhar para a nossa área, não como uma coleção de temas altamente desenvolvidas, mas como áreas de experiência que incorporam algumas das mais fundamentais reações humanas à vida.” (...) Uma vez que todo o nosso conhecimento advém da experiência vivida, as suas várias áreas estão relacionadas e são interdependentes. Se começarmos por criar barreiras entre elas caímos na perigosa situação de esconder dos nossos alunos a essencial relevância dos nossos assuntos”.

O pensamento de Paynter sobre a música nas escolas e a repercussão que teve na educação musical no Reino Unido e em muitos outros lugares do mundo, pode ser hoje bem visível através dos próprios currículos da música com a presença da composição como uma dimensão essencial para compreender a música e facilitar a criatividade através da exploração e experimentação musical, com base em atividades diversas e libertadoras nas salas de aula.

Há 50 anos, Paynter propunha uma organização das aulas que garantisse a todos os alunos a exploração e a tomada de decisões sobre os sons, trabalhando a composição por projetos. A inovação sempre pretendida... Como refere Pam Burnard (2010) “hoje em dia, esquecemos quão revolucionária foi a divisão das turmas em pequenos grupos, no início da década de 1970”. E, de facto, ainda hoje reforçamos veementemente a necessidade de uma organização diferente do espaço de aula para a criação de ambientes de aprendizagem produtivos, eficientes, significativos e estimulantes.

O I capítulo do livro com o título deste editorial é de leitura obrigatória para se compreender John Paynter enquanto pensador. Finney reúne uma série de excertos de textos e de entrevistas que nos conduzem no percurso de Paynter através das problemáticas refletidas e que deram corpo ao seu trabalho. São elas a justificação de como se tornou um professor de música – compositor, a sua conceção de educação liberal, a procura do lugar da música no currículo, as diferentes formas de conhecimento, a reflexão sobre quem é o professor de música e a sua imensa responsabilidade.

Para Paynter, o professor deve convidar e conduzir os alunos, através de constantes interpelações, a explorarem e a fazerem música chamando a atenção para as inúmeras possibilidades dos materiais musicais. Estas interpelações em forma de perguntas abertas são pensadas sem deixar nada ao acaso. Ou seja, a atenção do professor ao que está sendo criado pelos alunos e o seu próprio conhecimento musical são fundamentais para uma aprendizagem musical global.

No II capítulo do livro, Finney faz uma recontextualização do pensamento inscrito no livro Sound and Silence integrando-o nas diversas correntes da música e da educação nos anos 60, fazendo alusão aos textos e relatórios da época sobre as questões da criatividade, da música criativa, das artes nas escolas e da relevância da educação centrada na criança com a referência à obra filosófica de Rousseau (1762), Emílio, ou Da Educação.

Este capítulo termina com uma série de questões que Paynter já colocava há 50 anos no âmbito da música dentro do ensino geral e que Finney ainda as considera relevantes, desenvolvendo-as e recolocando-as na atualidade e para o futuro:

  • “Será que devemos considerar o caráter da educação musical como uma entidade distinta de aula, com o potencial para abrir mentes para o que ainda não foi imaginado?
  • Poderá esta educação da imaginação das crianças funcionar através da negociação das fontes do impulso musical, reconhecendo que a criança musicalmente aculturada já não pode ser considerada como tendo ouvidos inocentes?
  • Será que podemos aprender o peso que deve ser dado à música do passado e que significado deve ser dado à música do presente, entendida como modernidade musical líquida e muito distante do modernismo do século 20?
  • E que tipos de diálogos - aquelas conversas aventureiras de que falou Paynter – serão requeridos entre aluno, professor e o que está a ser aprendido, se essas questões devem ser levadas para uma aula dinâmica real?
  • Como poderá ser uma aula ao mesmo tempo convidativa e perturbadora dos mundos musicais das crianças, e, no entanto, sempre recetiva à sua criatividade nascente e procura de significados sem quaisquer limites?”

Tomamos a liberdade de colocar ainda mais duas questões, que provavelmente não se colocariam na altura a John Finney e muito menos a John Paynter, dada a imprevisibilidade dos contextos educativos atuais:

  • De que forma podemos não perder o caráter e a natureza da música na educação quando a experimentação e performance musical fica comprometida no ensino presencial em plena pandemia?
  • Como pode o ensino à distância manter a magia e a singularidade dos processos de ensino e aprendizagem coletivos e individuais em música?

Continuamos com o tema no próximo mês*.

*Referências a John Paynter no Boletim/ Revista da APEM:

  • No Boletim n.º 4 da APEM de outubro de 1973 Domingos Morais faz um resumo em português da Introdução do livro Sound and Silence
  • Artigo de John Paynter na Revista n.106 (julho/setembro, 2000) sobre o Conceito de música, disponível aqui: https://www.apem.org.pt/page14/downloads/files/Ar106_js_PAYNTER_J.pdf
  • Revista de Educação Musical n.134 de 2010 – homenagem a John Paynter no ano da sua morte por Peter Aston, David Blake, Pam Burnard, Teresa Mateiro e Graça Boal-Palheiros.

Manuela Encarnação


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