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Editorial da APEMNewsletter - Janeiro - 2021

APEMNewsletter Janeiro de 2021

O que aprendemos nestes últimos meses

Três quartos do ano de 2020 vivemo-los sob uma pandemia, ainda não terminada. Toda a reflexão possível sobre a música na educação nestes últimos meses, gerou várias interpretações da situação, múltiplas aprendizagens, mas sobretudo, muito mais interrogações.

Como refere Tolentino Mendonça, “não existem dúvidas, (...) de que precisamos de tempo para compreender o que se está a passar e nos compreendermos a nós próprios neste processo. Imersos num ano em que o valor maior em jogo era a sobrevivência, é difícil alcançar uma visão complexiva, ajustada ou suficientemente ampla. Mas essa visão terá de ser construída, e teremos de enfrentar, com igual coragem, as causas e as consequências deste cataclisma. Só assim saberemos o que aprendemos com o ano que passou”1.

Para a construção daquela visão, talvez a primeira pergunta a fazer seja como recentrarmos a função da música na educação para todos, tanto no ensino geral como no especializado. Qualquer resposta nesta atualidade tão imprevisível e com tantas variáveis em jogo, tem que ter em conta a complexidade da razão e da emoção.

Da razão e da racionalidade das interpretações, sabemos que as respostas nunca poderão ser únicas e que as perspetivas são sempre de determinados ângulos mais ou menos parciais. Neste sentido, afirmamos, enquanto professores de música e enquanto Associação, que não poderemos minimizar o valor e a existência da música no currículo enquanto um bem comum para o bem comum, conceito amplamente desenvolvido por Iris Yobe & Estelle Jorgensen (2020)2. Esta valorização e defesa tem forçosamente de conter uma perspetiva de música propriamente dita, e depois, uma perspetiva de ensino e aprendizagem musical, recolocando-se as perguntas do porquê, quando e como música na educação.

No entanto, o que esta abordagem nos traz é uma lição de diversidade que nos pode unir: a música na educação como uma área que celebra a diversidade de culturas e o poder das experiências musicais, artísticas e estéticas inclusivas e transformadoras. Esta é certamente a parte significativa do nosso esforço na construção de ambientes de aprendizagem musical através da experimentação e criação, da interpretação e comunicação e da apropriação e reflexão.

É fundamental redefinir o que significa o poder transformador e reconciliador da música para a comunidade global da música na educação hoje, particularmente no quadro de uma abordagem humanista ao ensino e aprendizagem musical.

Da emoção e dos sentimentos que nos identificam e que sempre transportamos em quaisquer processos de ensino e aprendizagem, retiramos a necessidade de resiliência e de criatividade, face às múltiplas ruturas com práticas anteriores, induzidas pela pandemia. Esta fase de transição que vivemos, colocou-nos perante a urgência de novas competências de professores e alunos, enquadradas no pensamento crítico e análise, resolução de problemas, autogestão, aprendizagem ativa e flexibilidade3.

O futuro do trabalho na educação já chegou: muitos já aprenderam a digitalizar processos de trabalho incluindo também a aprendizagem da modalidade de ensino à distância. Apesar da educação - e especificamente da música na educação - ser relacional, interativa e física, tivemos que integrar processos tecnológicos nesta relação.

Agora temos de ponderar e equilibrar 1) o que pode e nunca deve ser deixado de fazer presencialmente, e 2) o que pode melhorar os processos individuais e coletivos de aprendizagem musical através do ensino à distância.

Não podemos deixar de acreditar que o desenvolvimento tecnológico vai permitir um trabalho de realização musical de qualidade, síncrono e à distância – ainda que até agora não tenha sido conseguido. Até lá, reinventamo-nos.

E nessa reinvenção, observamos casos de sucesso a par de outros de uma grande desmotivação também ela preocupação da Agenda 2030 da Unesco4. Neste documento, um dos indicadores para a análise do incremento de professores qualificados é a “motivação”, avaliada pelo salário médio dos professores em relação a outras profissões que requeiram um nível comparável de qualificação educacional. Aqui, e tal como o continuaremos a dizer nas instâncias adequadas, não podemos deixar de referir a desmotivação dos professores e as repercussões que isso tem no clima geral das escolas.

Outra grande preocupação, e que vemos num futuro muito próximo, é a atual inexistência de formação inicial de professores de música para o ensino geral. (Quanto à temática da formação de professores, recomendamos a leitura do Estado da Educação 20195, elaborado pelo Conselho Nacional de Educação.)

É urgente discutir a formação de professores, é urgente a definição de políticas educativas que incluam a formação. “O objetivo de melhoria da qualificação dos portugueses exige um corpo docente de qualidade, cada vez mais qualificado e com garantias de estabilidade, mas também ambientes escolares seguros, inclusivos, que contam igualmente com a participação de um conjunto de outros profissionais, cujo papel é essencial no cumprimento de uma missão cada vez mais complexa, face às múltiplas funções que são exigidas à escola.”(idem.p.254).

Pode ser cedo ainda para uma análise distanciada e desprendida destes últimos meses da nossa vida, mas temos a certeza que a pandemia veio colocar no palco do sistema educativo um espetáculo muito aquém daquele que todos queríamos ver, participar e fruir, mesmo com tantos atores educativos de excelência.

Há que preparar uma outra e nova temporada!

Manuela Encarnação


1 Revista Expresso, 8 de janeiro 2021.
2 Yob, Iris M., Jorgensen, Estelle R. (Ed.),2020. Humane Music Education for the Common Good. Indiana University Press.
3 The Futures of Jobs Report 2020, October 2020 – World Economic Forum.
Consultado aqui: http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2020.pdf em 11 de janeiro de 2021.
4 Educação 2030 – Declaração de Incheon e Marco de Ação para implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4
consultado aqui: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000245656_por em 11 de janeiro de 2021.
5 Estado da Educação 2019. Conselho Nacional de Educação. Edição dezembro 2020.
Consultado aqui: https://www.cnedu.pt/content/edicoes/estado_da_educacao/EE2019_Digital_Site.pdf em 11 de janeiro de 2021.

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