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Editorial da APEMNewsletter - Maio - 2021

APEMNewsletter Maio de 2021

Reflexões, espirais e avaliações

Chegamos a esta altura do ano letivo e, inevitavelmente, questionamos o que se fez, o que se ensinou, o que foi aprendido, de que forma, se poderia ter sido diferente, o quê e porquê? E se assim questionarmos é bom sinal, porque refletimos sobre as nossas práticas e, em princípio, não temos tendência para nos deixarmos acomodar.
Este ano, mais do que nunca, as nossas práticas foram postas em causa e com elas as nossas práticas avaliativas.

Na releitura do pensamento de Janet Mills (2005)1 sobre a música nas escolas, detivemo-nos na ideia de progressão musical dos alunos que a autora tão bem desconstrói, partindo das várias perspetivas desse conceito quando se pensa em avaliação. O que podemos concordar de imediato é que a progressão em música não é linear, tal como as aprendizagens também não o são.
Nessa abordagem, a proposta que Mills referindo o modelo de desenvolvimento musical de Keith Swanwick e June Tillman (1986) plasmado na espiral de desenvolvimento musical, sustenta a ideia de como a natureza do desenvolvimento musical não tem uma única direção, mas sim movimentos circulares que podem subir, mas também descer.

Espiral Swanwick & Tillman

Os alunos “sobem” as voltas da espiral com a idade, assim como em ambientes de aprendizagem que permitam vivências sensoriais, manipulativas, expressivas até à compreensão do vernáculo musical e à especulação musical2 , ou seja, a fase de desenvolvimento em que as crianças já usam o conhecimento adquirido para fazerem novas coisas, já criam com os elementos musicais que conhecem.
Mas quando algo de novo surge, por exemplo, tocar um novo instrumento ou compor com algum software novo ou a audição de um tipo de música completamente novo, os alunos podem “descer” algumas voltas da espiral à medida que absorvem esse novo conhecimento.

O programa de educação musical do ensino básico geral (1992)3 ainda em vigor, baseia-se na espiral de conceitos do Manhattanville Music Curriculum Program (1970), apresentando uma adaptação da mesma.

Espiral

A ideia da descida dos alunos na espiral do desenvolvimento é praticamente aceite por todos, mas limita a extensão do uso da espiral na avaliação, tal como aparece no programa. O que quer isto dizer? Num processo de ensino e aprendizagem não podemos afirmar com toda a certeza que o aluno está no nível de progressão musical 2, 3 ou 4, precisamente pelo facto da aprendizagem não ser um processo linear.
Apesar de Swanwick e Tillman espelharem no modelo de desenvolvimento musical em espiral essa não linearidade da aprendizagem, a leitura do programa refletida em muitos manuais escolares e nas práticas avaliativas nas salas de aula, acabaram, em muitos casos, por criar níveis fechados para a definição de estádios de aprendizagem musical. O conteúdo musical das voltas da espiral tornou-se na “matéria” a ser aprendida e logo testada.

A par desta realidade, estão as aprendizagens essenciais em música que, contrariamente à organização do programa de educação musical atrás referido, foram elaboradas a partir de situações de práticas musicais - que evidentemente incluem conteúdos musicais, ainda que não explicitados. Tal como Janet Mills refere, não acreditamos “que haja um conteúdo musical detalhado que deva ser sempre ensinado, independentemente do contexto em que os alunos estão a crescer e a serem educados.” No entanto, podemos considerar que há uma essencialidade que está no cerne destes textos curriculares e que, como a autora que citamos refere, tem a ver com:

  • reconhecer e acolher as competências musicais que cada criança já traz para a escola;
  • fazer isso de forma a que os alunos compreendam e apreciem a complementaridade da música que fazem na escola e a que reconhecem como sua fora da escola;
  • ter alunos a crescer num currículo musical, como músicos – compositores, intérpretes e ouvintes – com as competências, conhecimentos e atitudes que necessitam para obterem o máximo que desejarem da música ao longo da vida.

Apesar da progressão musical poder ser entendida de várias formas, e o papel da avaliação estar intrincadamente ligado a esse entendimento, dependendo com certeza do contexto educativo e das suas finalidades, há princípios que devemos ter em conta. O essencial é reter que a noção de aprendizagem musical envolve vários tipos de conhecimento para ser considerada musical, e esses conhecimentos podem ser conhecimentos sobre música, conhecimentos de música, conhecimentos de como fazer música. Avaliar estes tipos de conhecimentos isoladamente não nos dá uma visão da progressão musical global do aluno.
No entanto, o melhor que podemos esperar como professores de música é que quanto maior o âmbito de dados de avaliação acumulados, mais perto chegaremos à compreensão do todo, mas também é preciso não esquecer que a soma das partes da avaliação nunca será igual ao aluno-todo.
Muitas vezes ouvimos professores de música a defenderem a avaliação segmentada com o argumento de que a avaliação holística é subjetiva, o que é evidente. Toda a avaliação é subjetiva, no sentido de estarem seres humanos envolvidos e a decidirem sobre o que, como e com quê avaliar.
O material a ser avaliado é afinal de contas um empreendimento humano e por isso a subjetividade não é necessariamente um problema. Como diz Janet Mills isso é para celebrar e não lamentar!

Manuela Encarnação


1 MILLS, J. (2005) music in the school. London: Oxford University Press
2 SWANWICK, K. (1988) Music, Mind, and Education. London: Routtledge
3 DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA (1999, 1ª edição 1991). 2º ciclo do Ensino Básico. Organização Curricular e Programas. Ministério da Educação: Departamento da Educação Básica.

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