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Editorial da APEMNewsletter - Setembro - 2021

Da importância do recomeçar

Este mês, na abertura do ano letivo, os novos alunos do Conservatório Prince Claus em Groningen, um dos nove conservatórios da Holanda, tiveram o privilégio de receber as boas-vindas do Prof. Dr. Evert Bisshop Boele1, que aqui já citámos2, à sua boa maneira original, criativa e tão certeira.

Não lhes falou propriamente sobre como o conservatório iria funcionar, mas sim sobre “esta coisa” da Música e como a música é extremamente importante. Porque “não há ninguém que não tenha uma ligação qualquer com música, ou porque ouvem, ou porque cantam, ou porque tocam, ou porque dançam, ou porque compram ou porque emprestam ou porque roubam música...” é uma lista interminável de situações que nos envolvem com música.

Por isso o Mundo é o campo da Música. E a ideia que o Professor Evert Bisshop Boele quis passar aos novos alunos é que o conservatório os prepara não apenas para a música ou para o mundo da música, mas basicamente para o Mundo. O mundo em que vivemos, que é, acima de tudo, o da comunidade de pessoas reais de carne e osso, aquelas que estão perto de nós e as que estão longe, mas fazem parte desse mundo. E neste mundo, a comunidade de músicos e professores também deve ter presente de que modo pode contribuir para o tornar melhor, para o tornar um lugar mais habitável, mais bonito e não se esquecer de que quando está a trabalhar não é apenas a sua música, mas também o nosso mundo.

O discurso do Professor Evert remeteu-nos para a recentíssima obra de Gert Bieste (2022)3. Neste livro, sobre Educação e de Educação, o autor interroga-se e interroga o leitor sobre “O que devemos fazer com as crianças?” porque o desafio maior está em colocar a questão do que importa em Educação ou o que deve importar em Educação. Esta nuance linguística pode fazer toda a diferença na construção do discurso educativo.

Neste livro, sobre Educação e de Educação, o autor interroga-se e interroga o leitor sobre “O que devemos fazer com as crianças?”4 porque o desafio maior está em colocar a questão do que importa em Educação ou o que deve importar em Educação. Esta nuance linguística pode fazer toda a diferença na construção do discurso educativo.

Entendendo-se que no coração da Educação se encontra uma preocupação existencial, é essa preocupação que leva o autor a defender que “a tarefa da educação é dar à nova geração uma oportunidade justa para existir como sujeito/ indivíduo da sua própria liberdade”, diferentemente de outro paradigma educativo que concebe a educação como um processo de cultivo, ou seja, tornar as pessoas conhecedoras, cultas, através da interação entre fatores internos e as influências externas. Para este autor, “o trabalho educativo dos educadores está, portanto, orientado para a liberdade de quem se educa, tendo em conta que não se trata de liberdade apenas para fazer o que se quer, mas de liberdade de adulto no mundo e com o mundo” (p.58).

Bieste explica que a ideia da educação centrada no mundo serve essencialmente para sublinhar que as questões da educação são fundamentalmente questões existenciais, quer dizer, questões sobre a nossa existência no mundo e com o mundo, natural e social e não só a nossa existência connosco próprios. Ideias que precisam de ser estudadas e aprofundadas e principalmente compreendidas para poderem ser incorporadas no trabalho educativo do nosso dia a dia.

Também a recente recomendação do Conselho Nacional de Educação (Recomendação n.º 2/2021) sobre “A voz das crianças e dos jovens na educação escolar”5 - uma excelente leitura para este recomeço - , faz-nos refletir sobre como, quando, porquê e para quê ouvimos (ou não) as crianças e os jovens. Recomenda um conjunto de ações que a escola pode facilmente integrar na sua cultura no sentido de dar real voz às crianças e jovens. Como disse Paulo Freire, citado nesta Recomendação, sobre a relação dialógica na educação, “A educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B”.

“Os estudos sobre o desenvolvimento da criança constituem uma valiosa contribuição para entender a importância da comunicação para o desenvolvimento humano. Conhece -se agora mais profundamente o pensamento da criança, a forma como adquire precocemente referências culturais e sobretudo a complexidade do seu desenvolvimento moral, cognitivo, afetivo e social. Sabemos que muito precocemente a criança é capaz de entender e de se posicionar nos ambientes com que se relaciona. As crianças são capazes, antes ainda da escolarização, de produzir juízos morais, de se identificarem com estados emocionais dos outros, de gerar afetos e de corresponderem aos afetos dos outros e de desenvolver competências que lhes permitam gerir os seus comportamentos de forma a integrarem -se em grupos diversos. Os estudos sobre o desenvolvimento da criança confirmam, com efeito, a existência de tais competências, o que lhes permite, desde muito cedo, entender, analisar e avaliar as experiências por que passam no seu processo de socialização. Quanto à dimensão pedagógica, a investigação educacional contemporânea reconhece a importância da escuta e o respeito pela voz dos/as alunos/as ao longo de todo o processo educativo enquanto contrato social e comunicacional.” (Recomendação n.º 2/2021)

Os recomeços são sempre momentos importantes para rever a nossa relação com a Música na Educação, centrada no Mundo e escutando todas as vozes.

Bom Ano Letivo!

Manuela Encarnação


1 https://www.hanze.nl/eng/research/profiles/professors/evert-bisschop-boele
2 Editorial- APEMNewsletter Abril de 2021
3 World-Centred Education A View for the present, NY, Routledge.
4 “What shall we do with the children?” “So what, then, shall we do with the children?” (p.4-5)
5 https://www.cnedu.pt/content/deliberacoes/recomendacoes/Recomendacao_n._2_2021_Voz.pdf

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